Nas situações mais adversas, o corporativismo se revela de forma contundente.
Enquanto 12 milhões de trabalhadores da iniciativa privada tiveram seus empregos perdidos ou seus salários reduzidos ou suspensos, em função da pandemia, o Supremo Tribunal Federal blinda os ordenados do funcionalismo público, categoria da qual os magistrados fazem parte com a maior remuneração do teto constitucional.
Na semana passada, por maioria de 7 votos, o STF proibiu a redução dos salários de servidores de estados e municípios endividados. A decisão foi tomada quando a corte concluiu a análise de ações que questionavam a redução salarial temporária, prevista pelo artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme os parágrafos abaixo:
“§ 1o No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos. (Vide ADIN 2.238-5) ”
“§ 2o É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária. (Vide ADIN 2.238-5) ”
Apesar de constar na lei a permissão para diminuição dos rendimentos, ela está suspensa desde 2002 pelo próprio Supremo, com o argumento de que a legislação fere o princípio constitucional de irredutibilidade.
Somente no ano passado, 12 estados descumpriram o limite de gastos da Lei de Responsabilidade Fiscal com pessoal, problema este sem solução aparente. Este ano, em plena pandemia, boa parte deles já estão quebrados e o déficit com a União sobe em níveis alarmantes. Apesar disso, a suprema corte desautorizou a redução da folha de pagamento, não tomou providências quanto aos excessos de admissão de pessoal e invalidou a plausível tentativa de reequilibrar as finanças e ajustar as contas públicas.
A falta de conhecimento do Judiciário sobre a realidade do país, pela demora na decisão e pelo protecionismo a seus membros, divide o Brasil em dois grupos. O primeiro, formado por desempregados, trabalhadores com rendimentos reduzidos e contratos suspensos, autônomos e informais sem renda e empresários abandonados pelo Estado e o segundo, composto por aqueles que passam incólume pela crise por estarem sob as asas da máquina pública, que é sustentada por quem mais precisa de ajuda agora.
Esperamos que o Executivo continue defendendo a redução e abrindo novos debates com os demais Poderes, na busca por uma contribuição mais justa por parte do funcionalismo público nesse momento.
É inadmissível que em um cenário tão grave para o país, estejamos amarrados às falhas da Constituição. É preciso uma PEC, projeto de emenda constitucional imediata, capaz de corrigir esta e outras anomalias impostas ao brasileiro em nome de princípios obsoletos, arbitrários e abstratos.
Se todos são iguais perante a lei, por que a maioria se sacrifica pelo privilégio de poucos?