Com o objetivo de conscientizar empresas e contribuintes acerca dos efeitos da Reforma Tributária na vida do setor produtivo, a CDL convidou um dos maiores nomes da advocacia tributária do Brasil, o Dr. Gabriel Quintanilha, para esclarecer os principais pontos de alerta da proposta, aprovada na Câmara e agora aguarda o parecer do Senado.
Confira a entrevista:
A criação do IVA realmente seria a opção mais viável?
O Imposto de Valor Agregado (IVA) é cobrado em mais de 145 países. Ele realmente é uma das principais e melhores soluções para simplificação do sistema tributário, no entanto, o Brasil possui características muito peculiares, que fazem com que o IVA, nos moldes propostos pela Reforma, tenha uma aplicação um tanto quanto complexa, porque traz insegurança para o investidor e para o setor produtivo.
Essa Reforma não tem como objetivo reduzir a carga, mas fazer com que o Brasil tenha uma tributação mais simplificada e um sistema de fácil entendimento e interpretação pelo investidor.
A meu ver, o grande problema desse cenário é que, embora a Reforma seja debatida há 30 anos, isso nunca foi feito de forma efetiva, com uma apresentação de impacto financeiro e chamando os setores econômicos para conversar.
O IVA estabelece uma alíquota unificada, estimada em 25%. Essa alta carga compromete sobretudo o setor de serviços, responsável por mais de 60% do PIB e dos empregos gerados no país. Por que penalizar este segmento com um imposto tão acima do praticado hoje?
A lógica da Reforma Tributária é desonerar a indústria e transferir essa tributação para o setor de serviços, gerando um prejuízo monstruoso para economia brasileira. O prestador de serviços que paga no máximo uma alíquota de 5% no ISS, arcará com uma alíquota estimada pelo governo em 25% ou até 28% segundo o IPEA.
Embora a Reforma Tributária proponha reduzir a quantidade de tributos no Brasil de 5 (ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI) para 2 (IBS e CBS), ela prevê a criação de um imposto seletivo sobre aquilo que é nocivo à saúde humana, além da criação de fundos estaduais, que seriam um 4º tributo, ou seja, ela não é tão simplificadora como ela promete...
Diferentemente da Indústria, que se beneficiará com o fim da cumulatividade e com a restituição dos saldos acumulados do IBS e da CBS, o setor de serviços é intensivo em mão de obra, mas não possui uma cadeia produtiva longa, ou seja, praticamente não gera créditos tributários. Não faltou ao texto um mecanismo para desonerar o custo da folha de pagamento?
A lógica da não cumulatividade prevista na Reforma garante o direito ao creditamento do imposto recolhido na operação anterior. No entanto, prestador de serviço não compra mercadoria para revenda, ele tem como principal ativo a folha de pagamento, a mão de obra, a obrigação de fazer. Nesse sentido, o setor de serviços sofre porque seus insumos são mínimos e não vão se creditar.
Hoje a folha de pagamento não gera crédito e na Reforma não está prevista essa possibilidade. É possível que haja essa previsão a partir de uma lei complementar, mas seria mais justo que essa garantia absoluta estivesse expressamente no texto constitucional para trazer segurança jurídica.
Quais serão os impactos da Reforma sobre o Simples Nacional?
A Reforma não acaba com simples, mas vai matá-lo de sede. Hoje a empresa que está no Simples Nacional não manda crédito para a empresa que toma o serviço dela.
Com um IVA de 25%, toda vez que eu for contratar um serviço, por exemplo, vou buscar de uma empresa que me mande crédito, o que não é o caso do simples. Outro detalhe interessante é que a lógica da cumulatividade é feita por um único motivo: gerar crédito para operação seguinte. Quem está vendendo para o consumidor final certamente terá que encarecer a prestação de serviços.
Se o objetivo da Reforma é simplificar e reduzir o peso da nossa carga tributária, não faria mais sentido que a Reforma Administrativa fosse aprovada antes?
A Reforma Tributária tem uma lógica totalmente invertida. Seria preciso diminuir o tamanho do Estado primeiro. A questão é que hoje a despesa pública é tão alta que o Poder Público não pode abrir de receita de jeito nenhum.
A lógica deveria ser não somente simplificar, mas reduzir a carga tributária, principalmente na produção e circulação. Essa seria a grande oportunidade de refazer a tributação brasileira, entregando essa tributação sobre patrimônio e renda e tirando da produção e circulação para que o setor produtivo pudesse se desenvolver, fazendo frente a produtos estrangeiros.
O Conselho Federativo é um dos temas mais polêmicos e nebulosos dessa Reforma. Isso porque a concentração da arrecadação, fiscalização e repasse em um órgão centralizado nos parece perigoso, sobretudo quando não fica claro como será conduzida a distribuição dos recursos auferidos. Isto não seria injusto para os Estados e Municípios que mais contribuem?
Nós temos um problema sério quando você tem um ICMS com 27 legislações e ISS com 6 mil legislações, entretanto, existe um Pacto Federativo, que é uma regra constitucional a ser respeitada. Quando esse tipo de decisão fica centralizado em um Conselho Federativo, isso tira a autonomia dos municípios.
No final das contas, esse conselho pode gerar grandes conchavos e conflitos federativos, que podem sim prejudicar a arrecadação dos estados que não souberem negociar esses benefícios e alíquotas.
É preciso definir conjuntamente com o conteúdo da Reforma, as alíquotas dos impostos, que ficarão para ser aprovadas posteriormente, assim como outros temas essenciais que também serão estabelecidos por leis complementares. Isto não traz muita incerteza e influência demasiada do governo federal?
Não há como definir alíquotas no texto constitucional, pois a Constituição é feita para garantir princípios e normas de organização. O grande problema não é a lei complementar, mas não ter havido um estudo preliminar sobre isso. Até hoje ninguém sabe qual vai ser a alíquota.
O que está sendo feito nessa Reforma é de uma insegurança jurídica ímpar. Para se ter uma ideia, existem 58 menções a leis complementares no texto da Reforma, ou seja, não há estudo, não há definição de arrecadação, você tem muitas discussões que virão por causa da reserva de lei complementar. O que a Constituição poderia fazer é não deixar conceitos tão abertos, de modo que por lei complementar se pode praticamente tudo.
A Reforma permite que os prefeitos dos municípios, possam determinar por decreto os reajustes do IPTU. Esta autonomia sem a necessidade de aprovação na Câmara de vereadores não é democrática e prejudica os proprietários de imóveis. Qual é sua opinião sobre isto?
Nós já temos hoje, no Código Tributário Nacional, artigo 97, parágrafo 2°, uma autorização para que o prefeito atualize a base de cálculo do IPTU por decreto, sem haver necessidade de lei, se não houver majoração.
Eu não acho esse ponto tão ruim porque traz uma certa segurança ao definir que, para que seja atualizado o IPTU, tem que haver uma lei, ou seja, a Câmara Municipal terá que aprovar uma lei com todos os critérios que deverão ser seguidos pelo prefeito, coisa que hoje nós não temos.
Os incentivos e subsídios sem contrapartida, concedidos às Zonas Francas e outras localidades, prejudicam a competitividade das demais regiões do país e consequentemente oneram empresas e consumidores. Qual sua opinião sobre isto?
Nós temos no Brasil hoje um imposto tão absurdo que é inacreditável que ainda exija: que o imposto sobre produtos industrializados. Como você pensa em tributar a indústria, que é quem produz? É claro que o mundo passou por uma desindustrialização nos últimos anos e os efeitos foram gravíssimos no Brasil, sobretudo em função do IPI.
O governo anterior tentou reduzir e até zerar algumas alíquotas de IPI, mas enfrentou grande resistência da Zona Franca de Manaus, já que aquela região tem uma produção muito beneficiada pela ausência de ICMS ou IPI e perderia em competitividade.
O texto da Reforma mantém a ZFM praticamente como é hoje e ainda cria um fundo para compensar sua perda de arrecadação. Ou seja, teremos um fundo para fomentar essa zona, com expiração do modelo somente em 2073.
Qual é a sua opinião sobre a REFORMA IMPOSTO DE RENDA?
No penúltimo artigo da Reforma Tributária existe um dispositivo que diz que em 180 dias deverá ser encaminhada a Reforma do Imposto de Renda. Essa Reforma vai ser dramática porque fala em tributar dividendos. Eu não sou contra tributar dividendos, mas eu sou contra tributar dividendos sem reduzir o imposto de renda da Pessoa Jurídica. O mundo inteiro tributa dividendos, mas a alíquota da PJ é de 22%, já no Brasil chega a 34%.
A exorbitante cobrança do imposto sobre importação de 60%, impacta empresas e consumidores e induz o aumento do comércio ilegal e da sonegação de impostos. Em contrapartida, o Estado estabelece um tratamento fiscal especial às exportações brasileiras. Ainda não ficou claro para nós, como a Reforma Tributária modificará essa situação. O que de fato o cidadão brasileiro ganha, com essa política de incentivo ao comércio exterior e de alta tributação nas importações? Isto não fere o conceito de livre comércio?
O Brasil segue uma ideia prevista na Organização Mundial do Comércio de que a tributação nas operações entre países ocorre no destino. Sendo assim, toda vez que a mercadoria vem para o Brasil, ela é tributada quando chega aqui, por outro lado, quando mandamos para fora, essa mercadoria só vai ser tributada no destino, por isso existe imunidade de IPI, ICMS, PIS e COFINS na exportação de bens e serviços, para haver uma tributação no destino.
O ponto positivo da Reforma, é que ela tira a incidência de imposto sobre imposto, como ocorre hoje com o ICMS. Só que há um problema: o imposto seletivo vai incidir sobre a importação, a industrialização e a comercialização de bens nocivos à saúde, sem falar que vai integrar a base de cálculo do IBS e da CBS. Ou seja, objetivamente, continua sendo caro trazer o produtos importados e as imunidades continuam se aplicando na exportação.
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