O Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), conhecido como programa de repatriação, deixa uma herança amarga dois anos depois da sua fundação. Lançado pelo governo em 2016, ele permitiu que pessoas e empresas com dinheiro e bens mantidos no exterior, não declarados ou declarados incorretamente, pudessem regularizar sua situação perante as autoridades brasileiras, desde que os recursos tivessem origem em atividade econômica lícita, mas sem obrigatoriedade de comprovação.
No primeiro ano, o programa conseguiu arrecadar em impostos para a União R$ 46,8 bilhões com adesão de 25 mil pessoas físicas e 100 empresas. Aparentemente, o propósito havia sido alcançado: contribuintes receberam anistia para multas e crimes fiscais e os cofres públicos, muito dinheiro.
Mas a história mudou em dezembro do ano passado, quando a Receita Federal resolveu interpretar de forma própria a versão original da lei, informando que a permanência no regime poderia ser objeto de fiscalização após a vinda dos recursos para o Brasil.
Desde o início deste mês, contribuintes estão sendo notificados pelo Fisco para apresentar documentos de abertura de conta, extratos bancários e outras comprovações.
A ilegalidade assumida ao desqualificar a regra do regime, que dispensa expressamente explicação sobre a origem dos recursos, deixa evidente a insegurança jurídica no Brasil.
Não nos posicionamos contra as investigações, ferramentas fundamentais para o combate ao crime fiscal, mas discordamos da conduta do órgão que, em vez de apurar possíveis irregularidades, inverte o ônus da prova e impõe ao contribuinte o dever de se incriminar, mesmo tendo sido feito uma lei sobre medida para definir a forma de repatriação dos recursos.
Aqueles que aderiram ao programa confiando nas instituições federais, podem agora perder o direito à anistia penal. Como punir sem dar o exemplo? A Receita Federal também precisa agir dentro da legislação e não apenas como um angariador de dinheiro em tempo de crise, afinal, mesmo que insista em violar essa premissa, a lei é para todos.