Imagine ter que esperar anos para ter um direito reconhecido pela Justiça. Essa é a realidade de milhões de brasileiros que veem seus processos se arrastarem por anos a fio em função da morosidade judicial brasileira.
Um estudo recente, publicado na revista Direito GV, da Fundação Getúlio Vargas, revela que processos cíveis em primeira instância no Brasil levam, em média, cerca de 600 dias para serem concluídos, quase três vezes mais do que a média europeia de 232 dias. Já na segunda instância, a tramitação é quase 50% mais lenta que a estimativa de 215 dias dos países europeus.
Esses dados reforçam o grave problema da morosidade processual no sistema jurídico brasileiro. O mais recente relatório da Justiça em Números, emitido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta que a duração média dos 83,8 milhões de processos abertos é de quatro anos e três meses.
Desse número, o maior gargalo são as execuções fiscais abertas pela Fazenda Pública (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) que visam cobrar dívidas de tributos em atraso. Esse tipo de cobrança administrativa representa 31% dos casos pendentes na Justiça Federal brasileira.
A cultura do litígio no Brasil é outro grande obstáculo para a eficiência do Judiciário, pois privilegia a judicialização de disputas em detrimento de outras formas de resolução de conflitos, como a conciliação, mediação e arbitragem. São milhões de casos de menor complexidade, que poderiam ser resolvidos extrajudicialmente em curto prazo e com custos menores, mas continuam congestionando os tribunais.
A proliferação de recursos aos tribunais superiores agrava ainda mais o problema. Em nenhum outro lugar do mundo existem tantas instâncias recursais quanto aqui. O próprio STF, que deveria atuar somente em casos relacionados à Constituição, se transformou em uma quarta instancia, responsável por revisar decisões anteriores. A percepção que temos é de que as decisões dos tribunais inferiores não são definitivas, sendo vistas apenas como etapas em um processo que se arrasta por anos até as cortes superiores.
Há de se ressaltar ainda o excesso de burocracias que aumentam o tempo de gaveta. Esses processos dependem de formalidades que vão desde atos cartorários e processuais até a coleta de provas e a localização de partes a serem notificadas.
Por fim, o engessamento da máquina judicial passa pela própria legislação, considerada extensa, prolixa e defasada. A ausência de objetividade e clareza na Carta Magna é responsável por uma quantidade excessiva de alterações ao longo de seus 35 anos. Enquanto a Constituição americana possui apenas sete artigos e 26 emendas, a brasileira é a segunda maior do mundo, com 250 artigos e 143 emendas, das quais 133 são ordinárias, seis de revisão e quatro são tratados internacionais.
Tais leis, que deveriam ser base da ordem jurídica, estabelecem um cenário caótico de incertezas, condicionadas às constantes mudanças nas leis e a volatilidade das interpretações dos juízes.
O Judiciário brasileiro precisa de uma reforma profunda para se tornar mais célere e eficiente. A modernização do sistema deve incluir a simplificação das operações, maior investimento em tecnologia, estímulo às soluções extrajudiciais de conflitos e redução do número de recursos.
Também é crucial estabelecer novas diretrizes para o funcionamento do Supremo, cujo ativismo contribui para a descredibilização da justiça no país. Entre as mudanças necessárias estão a criação de mandatos fixos, limitados a oito anos, o fim das decisões monocráticas, a criação de um conselho para fiscalizar a atuação dos magistrados e a alteração do atual modelo de nomeação de ministros, que passaria a ser feita a partir de uma lista tríplice, elaborada por uma comissão de juristas, e não por indicação presidencial. Não há como confiar em uma justiça que tarda e, tantas vezes, falha. A morosidade judicial não é apenas um problema jurídico, mas também social e econômico.